O que é Interpretação Corporal?

Tudo começou no segundo semestre de 2011, durante a reta final de mais um ano letivo, quando propus aos alunos do Sexto Ano uma atividade diferente: a partir da leitura do livro paradidático adotado no último trimestre - Contos e lendas dos heróis da Grécia Antiga, escrito por Christian Grenier e ilustrado por Christian Heinrich -, os alunos, em grupo, deveriam, na próxima semana, representar um conto/lenda, com o corpo e outros  elementos, e registrar sua representação por meio de uma fotografia. Pensei, de imediato, na diversão que a atividade poderia promover visto que os alunos teriam de, necessariamente, apropriar-se do conto/lenda através da leitura, idealizar e organizar a representação, buscar (nas suas casas ou no seu próprio quarto) os materiais para compor a "cena" e trazê-los para a nossa aula - antes de seguirmos para um outro ambiente diferente da sala de aula. Ou seja, não passava de uma atividade diferente e despretensiosa.

Homero ou O poeta dos três rostos

Dito e feito: quase todos os alunos se divertiram bastante. Nem parecia aula. As "cenas", os registros fotográficos, ficaram repletas de espadas, lençóis e expressões pra lá de dramáticas, misturadas a sorrisos espontâneos. Os alunos pareciam brincar com os conteúdos das aulas. Ou melhor, eles pareciam brincar de interpretá-los: de interpretar o contexto histórico; de interpretar as suas produções e os posicionamentos dos seus sujeitos. E, dessa maneira, a atividade diferente começou a chamar mais (não só) a minha atenção. Não por apenas "divertir", mas por apresentar, gradualmente, vários sentidos pedagógicos favoráveis ao ensino e à aprendizagem de temas da História.

Incorporei, a partir do ano seguinte, a atividade aos planejamentos trimestrais a fim de testar a sua eficiência e a sua adesão. Abordamos os períodos "pré-históricos", a árvore genealógica dos deuses gregos, algumas tragédias e comédias gregas, os trechos iniciais da História de Roma e dezenas de obras clássicas do Renascimento Cultural - em parceria com Sandra Martins, também professora de História. Confirmava-se, desse modo, que tal atividade não era abraçada apenas pelos recém-chegados ao Ensino Fundamental II. Poderia não ser uma atividade para "criança" - as turmas de Oitavos Anos continuam a protagonizar "cenas" sem problemas e pelo terceiro ano. A diversidade de temas tornou-a, então, cada vez mais fundamental e maior, apesar de ser bastante prática e rápida. Era preciso analisá-la melhor e dar-lhe um nome. O nome veio primeiro.

 

A convivência com Gisele Simões, contadora de história e professora de Educação Artística e Teatro, fez com que ela, a partir das nossas conversas cheia de observações atentas, sugerisse um nome para a atividade: "interpretação corporal". Para nós, "releitura" estava (como ainda está) muito na moda e não era nada próximo de "dramatização" - muito menos de "teatro". "Interpretação corporal" parecia acomodar muito bem toda a proposta. Entretanto, não consegui, até o momento, fazer uma pesquisa bibliográfica para verificar a existência e o significado do termo nas diversas áreas do conhecimento e nas produções acadêmicas - mesmo sabendo que alguém deve (falar e) ter falado sobre algo parecido. Ainda assim adotei-o por reconhecer que o termo contempla várias considerações listadas ao longo de uma caminhada de quase três anos. Cabe justificar a adoção e compartilhar algumas considerações, brevemente.

Com base nas atividades realizadas até o momento, ficou um tanto claro que a atividade é capaz de estimular: i) a prática da pesquisa; ii) o trabalho em grupo e a autonomia individual; iii) o exercício da organização e da criatividade; e, principalmente, iv) a compreensão do conteúdo específico por meio da própria interpretação corporal. Isso porque na medida em que o aluno, querendo ou não, interpreta, "dá vida", a algum sujeito histórico (com o corpo e seus sentidos) e registra-o, ele registra-se como ele. Em outras palavras, o aluno não apenas interpreta e registra-se, mas faz o "aprender História" tornar-se parte da sua própria trajetória; faz o "aprender História" tornar-se o seu "fazer História". O aluno, ao protagonizar a "cena", transforma o momento em uma lembrança bacana que irá compor a sua memória. E como sua memória, como a de todos, é seletiva, fica fácil lembrar de algo prazeroso uma vez que: a) realizar uma atividade em grupo; b) que exige a participação de todos; c) não será registrada e avaliada sob moldes tradicionais; d) e acontecerá fora da sala, na maioria das vezes; e) antes de ser contemplada por terceiros; e f) valorizada por todos, podem ser observações apresentadas como condições prazerosas. Com isso, a tenebrosa noção de História como disciplina cheia de conceitos, datas e nomes, é enfraquecida.

                             Fim da "Pré-História" (2012)          Fim da "Pré-História" (2013)   

Pode parecer exagerado, mas a maioria dos alunos-participantes das atividades de interpretação corporal não esquece quem e o que representaram com o passar do tempo e, facilmente, lembra o que alguns colegas e/ou a turma representaram. Quando analisados os registros fotográficos (e revistos por algum motivo), os alunos demonstram mais facilidade para interpretá-los - assim como quando são usados em aula expositiva e em avaliações. Articular o conteúdo específico do livro didático e as discussões em sala com a atividade de interpretação corporal ficou igualmente mais fácil - rumo ao orgânico.

A primeira das três cenas de As aves, de Aristófanes.

Representando a exploração do trabalho

Uma "invenção pedagógica", portanto, vem se transformando, lentamente, em uma prática pedagógica eficiente e ainda carente de fundamentação - mas humilde e pretensiosa metodologia, por quê não? - capaz de agregar, ao mesmo tempo, os alunos extrovertidos e os tímidos como, de fato, uma turma; o lúdico e o histórico; a biografia e a História. Por isso, ela está sendo (d)escrita nessas linhas: é preciso pensá-la e escrevê-la para se ter controle do que se faz a fim de aprimorá-la. É preciso fortalecer a parceria prática e teoria. Afinal, é essa a parceria que promove a dialética (ocidental) geradora da Educação e da História.

Sinta-se convidado a conferir alguns resultados das atividades de interpretação corporal.

Contos e lendas da Grécia Antiga [Sexto Anos - 2011]
Da "Pré-História" à História [Sextos Anos - 2012]
Máscaras egípcias [Sextos Anos - 2012]
Renascimento Cultural [Sétimos Anos - 2012]
Da "Pré-História" à História [Sextos Anos - 2013]
Rei Artur e suas lendas [Sétimos Anos - 2013]
Contos e mitos indígenas [Oitavos Anos - 2013]
A exploração do trabalho [Oitavos Anos - 2013]

Para entrar em contato, o espaço abaixo dos comentários ou o email: prof.d.cardoso@gmail.com!

Nenhum comentário:

Postar um comentário